quinta-feira, agosto 31, 2006

CRASSA

Crassa mulher que um olhar menos atento confunde com um homem, pelo modo como se veste e anda conjugado com formas a que só uma aberração da natureza tem direito, falo das mutações das abelhas, na incessante busca de passar por cima de todos a qualquer preço, abandonou a sua desordenada carreira numa empresa de grande prestígio, para se dedicar à criação de galináceos, para com os respectivos excrementos, desenvolver uma nova linha de cosméticos amigos do ambiente, começou por pesquisar qual a melhor forma de agradar ao galo mor, descobriu que se abanasse o traseiro e em vez de andar normalmente adicionasse uns saltinhos pelo meio, lograva os seus intentos, adoptou essa postura, restava-lhe o problema com as galinhas, observou-as uma a uma, escolheu de todas elas aquela que lhe pareceu que tinha o cérebro mais reduzido da sua espécie, começou por acompanhá-la nas suas viagens entre o poleiro de cima e o de baixo, onde ela de joelhos, por ter uma pernas muito longas, se instalava para conseguir lograr padrear com o galo mor, depois considerou um espaço privado onde a intenção era recolher os preciosos dejectos da sua escolhida, pacientemente durante meses tal aranha foi recolhendo bosta, porque por mutação a galinha virou vaca.
Desvirtuado o projecto inicial, para o qual até já tinha slogan, sai do dito use vai gostar, decidiu urdir um plano para com o material de que dispunha, levar por diante o seu intento, seleccionou outra das suas infelizes, fez dela seu objecto de trabalho, à pobre atribuiu a tarefa de controlar a hora em que todos os membros da capoeira utilizavam o reservado, para posteriormente organizar a sua recolha selectiva, dando instruções para que os resíduos fossem depositados no silo para esse fim colocado junto à habitação de um seu grande amigo, leia-se entre aspas, assim é logo que se justifica, usando da delegação de competências que lhe foi concedida, publicada em jornal oficial, determina a já referida que o tractor ulteriormente se desloque, proceda à colheita das ditas efectuando as necessárias análises, com o estojo de reagentes comprado numa loja de chineses, verifica a conformidade à norma dos líquidos de cheiro, deposita-os no celeiro, porque não exista dinheiro para erguer um silo, para entrada após laboração nos canais de distribuição, não falei dela não.

GRASTÃO

Grastão mocetão de aspecto rude, pacatamente labora as suas terras, este agricultor da quinta vaga, cultivava plantas biológicas para comercializar nas muitas feiras e mercados de substâncias profiláticas da ansiedade, existentes na região, dia após dia trata do seu cultivo com muito esmero, modelo do moderno empresário ajudado pelo Estado, cheio de iniciativa recebe subsídios para comprar um andar naquele condomínio fechado, em que o porteiro limpa a remela ao condóminos, políticos sobretudo, antes deles saírem após uma noite agitada a reflectir sobre o projecto de Lei, que irão apresentar no dia seguinte, em que mais uma vez faltam à sessão do Parlamento, sobre o novo regime de admissão dos membros do seu clube, mas aqui fala-se do Grastão, para além da já referida actividade, ele cria como forma de diversão e complemento do rendimento, burros, estes equídeos em vias de extinção recebem um complemento especial dos fundos comunitários, ele com terras vastas não podia perder esta oportunidade, sabendo que se aproximava uma mostra extraordinária de produtos semelhantes ao seu, seleccionou o seu melhor lote e montado num dos seus burros pôs-se a caminho.
Chegado ao local da exposição Grastão criando esbarro, foi um supurou em seu redor que ele nem aquiesceu à zona VAP, Vendedores Altamente Protegidos, para onde tinha reservada a sua inscrição, quinhoou-se ali mesmo na zona GSF, Gente Suja Fingia, que não oferecia o conforto a que está habituado, pois em vez de papel de seda para limpar o dito cujo, os sanitários estão equipados com papel de jornal, já muito velho por demasiada exposição à acção dos raios solares, no lugar das toalhas quentes de puro linho, fiado à mão por inocentes donzelas virgens, que uma recente portaria impediu de continuarem a trabalhar, porque na sua idade é considerado exploração infantil, achou desperdício, a que foi dada uma utilização pouco definida, que lhe conferia uma cor acastanhada, por esse motivo não o utilizou, em seu lugar, mostrando a revolta que estes factos lhe provocaram, pediu o livro amarelo e em português vernáculo exarou a respectiva reclamação, que de tão extensa e em face do seu conteúdo me excluo de reproduzir, porque invariavelmente ao transcreve-la para linguagem infantil, perderia o seu conteúdo poético, por exclusão das palavras mais afirmativas.

SANDRO

Sandro um biltre da pior espécie, nervosamente aguardava junto ao terreiro da aldeia, local escolhido por ele para encontrar as beiras de uma boa moídinha para se deleitar, solteiro não perdia uma boa oportunidade para na sua presença se exibir, qual paparrotão usa calça justa mão no bolso, cigarro ao canto da boca, para realçar mais a imagem quando está parado, eleva a perna esquerda fazendo sobressair os dotes que a natureza lhe forneceu, nestes preparos passa os dias qual francelho em busca de presa. Sabendo-se pouco da sua actividade profissional, uma vez que ele quando inquirido nada diz, no entanto herdara dos Pais uma considerável maquia bem como a casa de morada de família, afirma quem lá entrou que a casa mais parece um aterro sanitário, tal é a profusão de lixo, e o estado geral de degradação do espaço, mais disse que encontrou, imaginem aonde, o serviço de porcelana da família que o Pai diplomata de profissão recebeu como presente quando foi cônsul na China, que no seu tempo só era usado quando o Presidente ou outro membro relevante do Governo ia a recepções oferecidas por ele, em troca dos muitos favores recebidos, pois bem o dito serviço estava nada mais nada menos que a servir de gamela para os vários cães que ele possui, outrora objecto de culto é agora um elemento amorfo, com um uso tosco.
A espera de Sandro foi quebrada, pelo som do autocarro da rodoviária, que já à muito passava pela aldeia mas não parava, nesse dia pareceu-lhe que algo iria acontecer, o ruído habitual que espantava tudo quanto era animal de criação não sucedeu, do seu poiso ele via-o muito antes deste lançar a confusão, iniciada pelo zurrar dos burros do Grastão, seguido dos cacarejos das galinhas da Crassa, perdeu-o de vista e quando já se preparava para ver se por qualquer acaso ele se tinha despistado para os lados da quinta do Cerro, eis que ele surge glorioso na sua cor alva, preparando-se para interromper a marcha, privando-o da alegre melodia que o coro dos burros e galinhas lhe proporcionava, parou mesmo para seu espanto, o motorista que ele nem conhecia ficou no seu lugar, lá de dentro surgiu uma figura que lhe pareceu familiar, atrás dela outra que ele desconhecia, apurou a vista reconheceu o Armando, mais eu não digo, vou-me pirando, novos contos buscando, assim me revelando.

quarta-feira, agosto 30, 2006

MICAS

Micas de seus nomes próprios Maneia Prateio, dados pela madrinha, que quando inquirida sobre a razão de tão invulgar designação para uma criatura humana, justificou-se com o facto de ser manejada por um certo estupor que lhe causa sempre muita dor, como não encontrou melhor solução resolveu por vingança, à filha do dito dar estes nomes, já imaginaram a mãe da pobre criança a chamar Maneia vem para a banheira se não levas uma tareia, com muita graça e harmonia a menina foi crescendo, chegada à idade adulta e ainda solteira, resolveu colocar um anúncio para encontrar o seu príncipe, pensou muito bem no texto que deveria escrever decidiu-se pelo seguinte: o meu nome é raro tal como eu, arraigada no campo mudou na cidade, se bem me quiseres chamar, por Micas me deves tratar, seguiam-se os contactos. Obteve muitas respostas ao seu pedido, de todas destacou-se uma com os seguintes dizeres: eu de raro nada tenho, mas logo te amanho, cambiado na cidade no campo me entranho, Armando com bom desempenho, seguiam-se os contactos.
Marcaram encontro para um fim de dia, era Inverno chovia, à hora acertada, a Micas molhada na esquina esperava, olhou ao redor viu um homem chegando, habituada a ser cobiçada por tudo quanto era macaco de duas pernas não se mudou, mais olhou, notou as calças rasgadas, camisa com lama, um molho de ortigas, um olhar de espanto, curiosa ficou e perguntou? Homem deita! Eu sou o Armando com pressa vinha andando, ao encontro da menina no campo criada na cidade perdida, a calçada molhada para meu desencanto, comigo pregou num campo, olhei em redor e só vi ortigas, para não perder tempo pois nada mais tenho, colhi este ramo com todo o empenho, ele é pobre estás a ver, mas se procurares bem entre o pano, melhor vais encontrar, a Micas sabendo que era ele o motivo de ela estar ali, respondeu depois de comprovar claro está: eu sou aquela que vens procurar, depois de sondar não vou te largar, empenho não falta, movida também, mesmo que grites vais dançar bem, na beira da estrada ou mesmo sentada, mas quando canhado pelo desempenho te fores andando, eu pelo Sandro vou chamando, assim ficou combinado entre eles, pois queriam fruta, o super não tem.

MONA


A Mona é uma cadela com pedigree bem definido, conhecem-se os seus antepassados na linha directa e colateral, até antes da fundação de Portugal, é oriunda de famílias muito distintas, protegidas desde sempre pelos Condes de Lagoa, em tempos idos com o decréscimo do rendimento proveniente das suas propriedades, devido à abolição da escravatura, o Conde da altura resolveu mudar-se, com a família constituída por seus Pais, uma irmã, a aia de uma tia que foi encontrada no passeio público com o tio do conde, tendo essa escapadela custado muito caro aos dois, para África, consigo levou uma ascendeste da Mona de seu nome Moca, lá chegados o conde como era solteiro travou-se de amores por uma negra, conseguiu ter uma filha que dele herdou o título nobiliário, a Moca que era branca encontrou no Mato que era preto o companheiro ideal para as suas mocadas, leia-se objecto de culto onde se descarrega a ira, dai nasceu a Mona branca mas com feições de preta, basta olhar o seu céu da boca para se verificar isso.
A irmã do conde como era uma rapariga muito recatada, achou por bem abrir uma casa de chá, onde para além da citada bebida se poderia também apreciar a boa comida, foi tal o êxito do espaço, que à porta formavam-se filas semelhantes às do metro na cidade de Paris, a iguaria mais solicitada era um prato elaborado à base de chouriço entalado na coxa, com esta actividade nunca encontrou tempo para se casar, foi-se passando o tempo e ela ficou para tia.
A independência de País onde residiam, obrigou a que muitas pessoas o abandonassem, o conde, sua mulher preta, sua irmã já entrados na idade resolveram por isso ficar, a aia continuou o negócio da irmã do Conde mas sem obter muito sucesso, a actual Condessa de Lagoa regressou com a sua Mona, lembrada da actividade da tia, abriu um atelier de alta costura, mas ao contrário dela estendia cordões e encolhia cordões, tarefa muito repetitiva, ela que entretanto ficou viúva e como os tempos eram difíceis, resolveu casar-se novamente, passou a encolher cordão e de vez em quando a esticar cordão, cansada fugiu, deixou a Mona ficar na rua, sua fiel companheira desde o tempo do atelier, ela que de acordo com a intenção servia os clientes a abrir e a fechar o portão, sem nunca perder a tensão, sim tinha outras palavras à mão mas aqui é que não.

ARMANDO

Armando filho único de uma família da alta burguesia, pouco dotado para as letras, mas muito para as ditas de bacalhau, acabou a escola básica já no limite máximo possível, era por todos tratado por, fungão, o mexe no sardão, ele invariavelmente respondia: vai falando, que o malho já te mando, noutras alturas, como eram conhecidos os gostos dele, a canalha pequena, certa de que o conseguiam irritar teimava em gritar: olha lá ó Armando queres um grande, fazendo um gesto entre o cós e o inicio das pernas, ele reagia, vão gozando, que logo mais te vou catando, ocasiões em que Armando vestido com a sua melhor roupa, dirigia-se para a aula de etiqueta que por acaso até rima com prancheta, atazanavam-lho o juízo com mimos tais como, ai olha o Armando, tão lindo que vai passando, chega aqui que depois de, vais andando, pronto dizia sim o malandro, mexia, repetia nunca se fartando, dificilmente parando estava sempre esgalhando o solicito Armando não se negando.
Disposto a iniciar uma vida nova, noutra cidade, acima de qualquer suspeita, falidos que estavam os parentes, o bom Armando um caminho foi tomando, andou muito andou, nesses dias sozinho, tinha que invariavelmente comer as ditas desde manhã até ao deitar, levou-se nisto dias a fio, já sem esperança de encontrar uma luz ao fundo do túnel, que não existe no deserto, após se deliciar com uma dita, talvez por causa disso, vislumbrou uma sombra que não conhecia, o que será interrogou-se, na pressa de descobrir do que se tratava, deixou para trás o farnel que lhe ia mitigando a carência que sentia das ditas, que a sua cozinheira lhe preparava delicadamente e com tanto carinho, ficou zangado o Armando porque chegando à sombra, teimosamente ela ia se afastando, fugia dele andando, na hora recordou, que malfadada sorte, eu já tive tudo, mas agora tudo se vai acabando, é pena pensou, é a falta do que faz correr o mundo, pi..pi, como na televisão, que me conduziu à já referida situação por gostar das ditas, diz-me como se eu fosse um coelhinho e tu uma cenoura, se não te enganares há problema, sim a metáfora é as ditas a que me referi são sopas de bacalhau, a cozinheira por falta de, passou à situação de trabalhador desempregado por conta dela, mesmo pagando IRS, pelo dinheiro não recebido do Armando, desesperado acordou gritando, mas eu estava só sonhando.

terça-feira, agosto 29, 2006

BICHÃO


Bichão é um papagaio amarelo, oriundo dos campos da lezíria do Tejo, em pequeno, os Pais diziam-lhe: Bichão não faças isso com a mão, Bichão fica calado senão, ao ser tão reprimido em criança, acabou por desenvolver um trauma que lhe afecta as mãos, tendem a ficar dobradas pela acção da força da gravidade, com este problema, uma vez sozinho na vida, resolveu partir, correr mundo em busca da sua realização pessoal, subiu montes desceu vales, por mais que andasse não conseguia encontrar sítio nenhum onde estivesse bem, de repente lembrou-se dos seus tempos de escola em que os colegas de sala lhe diziam: Bichão mexe aqui com a mão, mexe depressa senão, à custa disso quantas vezes chegou a casa com a penugem toda suja de uma substância pegajosa de cor esbranquiçada, nessas alturas a mãe perguntava-lhe, Bichão o que andaste a fazer com as mãos? Ele respondia: Foram os meus colegas que me obrigaram a usar as duas mãos.
Com saudades, resolveu voltar para a sua amada terra, sentir o seu cheiro, ao chegar de tão cansado que estava decidiu pernoitar, procurou a casa de seus Pais, tinha entretanto sido demolida, para dar lugar a uma fonte decorativa, tão bela que os pombos deslumbrados com a sua beleza, utilizam-na como habitação própria permanente, com os consequentes inconvenientes, entre outros falta de mobilidade geográfica, nada mais restava ao Bichão, que um canto escuro num vão de escada, por ali ficou.
No outro dia ao acordar, pretendeu voar, constatou que não podia, olhou à sua volta, alguém lhe prendeu a perna com uma corrente presa a um poleiro, já não podia voar, ouviu-se então uma voz dizer, olha o Bichão, que na escola tinha colegas a quem tocava na pandeireta com a mão! Não pode ser pensou o Bichão, esta é a voz do Sandro que foi namorado da Micas, que entretanto esta casada com o Armando, mas mesmo assim da qual ele o Sandro se vai aproveitando, segundo informação da Mona, cadela de estimação da condessa de Lagoa, antes de por ela ser largada na rua, que foi adoptada pelo Sandro, mas que posso eu fazer se daqui não consigo fugir, vou chamar pelo Armando, marido da Micas, que o Sandro vai usando, enquanto nada souber o Armando e a Mona o for deixando.

PAPAGAIO

Esta é a história do papagaio amarelo Bichão e da sua amiga cadela Mona, o Bichão passava os dias poisado no seu poleiro, estava preso por uma corrente, não conseguia voar no ar qual falcão, guiado pela mão hábil do seu dono Sandro, pedia à sua amiga, notícias do que se passava na aldeia, ela pacientemente todos os dias visitava-o tinham longas conversas, numa dessas ela contou ao Bichão o escândalo do dia, sabes a Micas vizinha do teu dono foi apanhada a roubar comida no quintal da quinta do Cerro, mas a melhor é que tu não sabes o teu dono anda metido com ela, ficou da parte de fora para ver se vinha alguém, bom mas tenho que ir andando logo te volto a ver, o Bichão tinha uma extraordinária memória, certo dia o Sandro chegou junto dele e chamou-lhe um nome ofendendo a criatura alada de tal forma que este jurou vingança, passados tempos o marido da Micas que dá pelo nome de Armando, que quando não tem carro vai andando, chegou-se perto do poleiro e começou a provocar a pobre criatura, o Bichão empertigou o pescoço e disse, olha o Armando marido da Micas que o Sandro vai provando.
Escusado será dizer que o Armando, como se sabe é sempre o último a saber, pegou numa sachola, correu à procura do Sandro, este que se encontrava achado nos braços da sua querida Micas, avistando-o disse-lhe, vai andando que ai vem Armando, a Micas que até era um pouco lerda das ideias, pensou que ele estava a gozar, qual Armando qual andando, só acabas quando eu mando, isto porque estava a gostar logo nem se mexeu, a fiel Mona, que eu ainda não apresentei, era uma cadela vadia, que em tempos trabalhou num atelier de alta costura, como animal de estimação da Condessa de Lagoa, eximia costureira de trapos velhos, que por não achar mais utilidade à Mona abandonou a pobre, mas o bom do Sandro dava-lhe comida, vendo o Armando andando na direcção do seu protector, diligente tratou de lhe desviar a trajectória, mostrou o seu lado mais feroz, de tal modo que o pobre Armando molhou as calças, dias depois o Bichão gritava para toda a aldeia, olha o Armando, que procurou a Micas que estava com o Sandro, viu a Mona ladrando com medo fugiu chorando, pois queriam que eu escrevesse aquilo que estão a pensar, mas eu não gosto de escrever em calão a história para adultos encontra-se noutro bloog, esta história destina-se a crianças.

segunda-feira, agosto 28, 2006

VISÃO

Parei olhei à minha volta, observei o lugar onde me encontrava, perdida num canto estava uma garrafa vazia de cerveja, que alguém depois de uma noite de copos ali deixou, um pouco mais à frente restos de comida, a proximidade do contentor do lixo derramou-a no chão, entretanto, atraído pelo cheiro um cão dito vadio aproximou-se a medo, olhou-me e sentindo que eu não constituía uma ameaça começou a deglutir os restos de uma qualquer refeição, acabando o trabalho que alguém não fez, o canídeo acabada que foi a sua comezaina de restos dirigiu-se na minha direcção abanando o longo rabo, sem regatear fiz-lhe uma festa, para me agradecer ele pensando que eventualmente eu pudesse ser a sua sobremesa, lambeu-me as mãos, enojado porque tinha assistido à cena anterior, aprecei-me a ir lavar as mãos no local mais próximo, um café, era um espaço sombrio onde numa mesa dois alcoólicos teimavam sobre a mais recente medida do executivo municipal, admitir todas as afilhadas filhas primas demais parentes e amigos na linha ascendente descendente e colateral, dizia um deles acho muito bem porque quem não é para os de casa não é para ninguém, respondia o outro então como hei-de fazer se não pertenço ao grupo dos familiares, simples organizas uma excursão aos Pirinéus com tudo pago em hotel de cinco estrelas, divulgas, eles gulosos como são respondem presente e vão todos. Chegados lá retiras o motorista se não pertencer à matilha, atiras o autocarro por uma qualquer ravina bem funda, esperas cem anos para eles já fossilizados serem finalmente encontrados, no entretanto preparas um relatório onde isentas de culpa, o construtor, o dono, o motorista do autocarro, bem como a condição da estrada, o policia que os tinha multado, até aquela idosa simpática que carinhosamente te ajudou a empurrar o autocarro para o seu destino final, voltas tranquilamente, se inquirido acerca do sucedido, alegas que no preciso instante em que uma forte necessidade fisiológica te atacou, tiveste necessidade de mandar parar o autocarro, o motorista aproveitou a ocasião e também ele beneficiou do prazer de se aliviar, assim fica explicado porque foram os únicos sobreviventes da tragédia. Espera ai respondeu o outro num súbito acesso de lucidez, isso não pode ser, como poderia eu justificar o facto de, próximo da minha casa e a mando do presidente, existir uma colónia de férias de luxo, para pulgas, baratas e percevejos amestrados, que por falta de espaço no circo, aguardam ali o próximo quadro comunitário de apoio, que irá permitir de acordo com o primeiro, satisfazer as graves carências existentes no mercado de colocações, para os fieis seguidores da ideologia, de que o que ao alheio pertence é mais lucrativo que trabalhar, pois como recompensa desfrutam de opíparas condições de vida onde os mais pequenos pormenores não são descurados, eu que me ensinaram a trabalhar e em dias como este, dar-me ao luxo de beber uma cervejinha, para depois a medo verter águas ali ao canto, estou tramado, ainda pensam que eu quero mesmo é aplaudir este circo.

IMAGEM

Tenho nos olhos aquela tristeza de quem se sente só, no corpo carrego as marcas de um uso inadequado, a minha voz definha de tanto gritar, já não tenho forças para continuar, de repente olho à minha volta e encontro um rosto sereno, tranquilo de alguém que pacientemente tecla tal como eu, e nesta imagem de paz encontro forças para continuar, não existem só pessoas más, o olhar constituiu muitas vezes uma forma de me acalmar de ganhar coragem para continuar com a minha tarefa, consigo vislumbrar estratégias para me defender e não me deixar mergulhar em depressão, diz-se que não há mal que sempre dure nem bem que não se acabe, e que a esperança é a última coisa a morrer, por isso encontro dentro de mim muitas vezes forças que eu jamais sabia que existiam, mesmo com tudo a cair à volta e por grande que seja o meu desespero, prefiro quebrar que torcer.
Planos pouco me importa fazer planos não dependem de mim, transformaram-me numa máquina e esta não pensam executam mecanicamente tarefas rotineiras que os seus inventores lhe consignaram, existe no entanto uma grande diferença, eu consigo pensar estabelecer metas, decidir, agir quando é preciso, mas aqui onde estou isso pouco valor tem, a corrente é entrar às dez sair às cinco com duas horas para almoçar quando não se sabe sorri-se e saracoteia-se o rabo na esperança de que o nosso odioso chefe venha em nosso auxilio, ou então resolve-se de outra forma, passa-se a batata quente para quem não pode reagir por estar numa posição mais abaixo, mas esses são os verdadeiros heróis, os outros que não estão na alcateia, são contra corrente empecilhos para os seus planos de saque, voltamos a viver num regime de pirataria onde agora os piratas circulam na terra ao contrário, dos tempos de antanho em que navegavam pelos mares à procura de alguma riqueza fácil, estes os modernos buscam uma capa para a sua incompetência, escondem-se atrás de uma qualquer amizade ou laço de parentesco, são os novos executivos de pacotilha, brilhantes na arte de dissimular, que bebem dos seus chefes as águas impuras com que ingurgitam a sede, um destes dias estes seres imundos, irão defrontar-se com a triste realidade dos seus corpos cansados de tantas manobras maquiavélicas, rebentarem e expelirem toda a malícia que existe dentro deles, ai todos poderemos ver o quanto de mal nos têm feito, nessa altura, eu irei simplesmente observar, e com indiferença, continuar o meu caminho, não irei parar para contemplar o executor das suas mortes, a altura é uma coisa terrível, nela faz-se sentir com maior intensidade a força da gravidade.

DESCALÇO

Resolvi fumar um cigarro para tal dirigi-me à varanda da casa, ao contrário do que é meu hábito descalcei-me, enquanto fumava senti o prazer que me dava o contacto dos pés com o chão de mosaico, não era frio como vulgarmente se diz, o seu calor envolveu-me, apreciei o simples prazer de fazer algo fora do normal, por vezes é simples estar-mos bem, naquele período nada se reflectiu de desagradável, nem mesmo a certeza de que amanhã por esta hora já estarei a deitar os bofes pela boca com realidade que me cerca, olhei ao meu redor e contemplei uma velha árvore que está junto da minha casa, pensei em quantas pessoas ela já viu partir no muito que poderia dizer se utilizasse a mesma linguagem que eu, quantas histórias teria para me contar, nas surpresas que elas constituiriam, junto a esta árvore estão outras mais novas ali plantadas recentemente, indiferentes ambas aos meus pensamentos, observo o efeito do vento que se faz sentir sobre elas, as mais novas contorcem-se como uma intensidade que receio que se partam, porém a mais antiga mostra-se indiferente à acção do vento somente os ramos mais jovens parecem abanar executando uma espécie de dança, porém o seu tronco está quieto indiferente aos avanços do vento, já teve tempo suficiente para desenvolver raízes profundas, pelo que um simples vento não a perturba, os anos ensinaram-na que é necessário um ciclone para ela se sentir ameaçada, do mundo das árvores para o das pessoas foi um passagem instantânea, surgiu logo a comparação, assim no principio da vida sentimo-nos inseguros é ai que a protecção dos nosso pais se faz sentir com mais acuidade, precisamos deles para sobreviver, são eles que nos mantêm seguros é a sombra deles que nos protege, depois na idade mais adulta sentimos que podemos correr sozinhos, enfrentar tudo e todos vamos tentando sair da sua alçada, encontrar os nossos caminhos, se temos duvidas poderemos sempre recorrer a eles, nesta fase estamos decididos a mudar o mundo, temos objectivos que queremos alcançar a qualquer preço, mesmo que pelo meio atropelemos alguém, a propósito de um objectivo que não sabemos bem qual é, ou talvez não, provavelmente sabemos muito bem o que pretendemos e elaboramos um plano para atingir esse fim, e os meios justificam-se para os atingir.
Mas surgiu-me outra alegoria, a força física de um jovem e a sabedoria de uma pessoa mais idosa, lembrei-me do meu avô na sua oficina de funileiro já entrado no tempo, pacientemente fazendo em chapa um galheteiro para azeite, perguntei-lhe porquê avô com a sua idade ainda está a trabalhar não era melhor descansar e viver os anos que lhe restam descansado? Ele respondeu, sabes dantes fazia três por hora, hoje como as forças já são poucas, demoro três dias para fazer um, contudo sei que este está muito mais bem feito de que todos aqueles que fiz anteriormente, se eu puder o próximo será ainda melhor que este, para além disso enquanto estou aqui na oficina, estou ocupado a fazer uma coisa diferente, não o estava a perceber uma vez que desde sempre me lembrava do meu avô às voltas com a chapa as tesouras e o martelo e já tantas vezes tinha visto sair das suas mãos galheteiros e outras peças de latoaria, respondi está bem como o dizes deves ter razão, agora entendo o que ele me dizia, antes como fabricava muitos, o preço era baixo no entanto as pessoas compravam muito, o que levava a que por mais que fizesse o lucro dele era pequeno, existiam no mercado outros produtos concorrências ao dele, então mudou de técnica passou a fabricar com uma qualidade muito grande e em número reduzido aperfeiçoou todos os aspectos ligados à execução, reduziu desperdícios, eliminou tarefas baseadas na força, cuidou do acabamento final.
Em vez de os vender na sua oficina como antes, ele ia à feira das cebolas, e com uma cadeira baixa que por acaso hoje esta na minha casa mostrava o seu produto, os galheteiros do meu avô, eram os mais lustrosos que por lá se podiam ver, as pessoas paravam para se verem reflectidas na superfície polida, de tal forma que mais parecia um espelho feito do mais puro cristal e não um simples galheteiro feito de lata, tinha sucesso garantido, quando lhe perguntavam mestre Alfredo como correu a feira? Respondia podia ter corrido melhor se eu em vez de oitenta anos tivesse sessenta e soubesse o que sei hoje, não teria desperdiçado tanta energia com outros produtos, para quem não conheceu o meu avô é capaz de ser difícil perceber esta história real, esclareço que ele morreu com noventa anos e só deixou de ir à feira das cebolas porque faleceu precisamente quando ela decorria, antes teve a oportunidade de ver cinco dos seus sete filhos casados, nove dos seus dez netos, 7 bisnetos ainda solteiros dos 13 que actualmente existem porém a sua dinastia tem continuado, hoje já existem bisnetos dos filhos, com origem num simples latoeiro existem pessoas seus descendentes que beberam dele a sua forma de vida, já não são latoeiros exercem outras actividades, mas tal como ele mantêm-se fieis à sua filosofia de vida, encontram o seu caminho pela diferença, sem precisarem de atropelar ninguém.

sexta-feira, agosto 25, 2006

LÓTUS

Um dia fui passear pelo campo encontrei uma semente, como não sou especialista em tal matéria perguntei a um amigo se conhecia, respondeu prontamente que sim que a poderia semear, tratava-se de uma semente de lótus pelo que para germinar deveria ser colocada em água corrente no estado puro, mais me disse que deveria ter o cuidado de a renovar com frequência, deixando-a descansar previamente para libertar o cloro com que é tratada, com estas indicações arranjei uma jarrão coloquei-lhe água dentro e lá deixei a semente, estipulei um calendário de mudança da água lá fui cuidando dela, um dia começou por aparecer um pequeno rebento verde semelhante ao do feijão, pensei para comigo aquele tonto gozou comigo, disse-me que era uma planta de flor de lótus e saiu um feijão, mas na duvida continuei com o procedimento, passados mais uns tempos a vagem que parecia de feijão transformou-se num botão de cor rosada, dias mais tarde tinha na minha sala uma linda flor de lótus imponente, de uma beleza como não tinha visto, nessa altura vi compensados os meus esforços. Tive que me ausentar, pedi a um amigo para me tratar da flor, deixei-lhe as instruções como se ela fosse um bebé, quando voltei a minha linda flor estava murcha, com uma cor castanha, fiquei triste fui para junto dela e comecei a falar-lhe disse tantas coisas enquanto renovava a água que lhe servia de alimento, fui limpando uma a uma as pétalas a pouco e pouco foi readquirindo a sua cor rosada, a minha felicidade nessa hora foi estrema, tinha de volta a minha amiga.

quarta-feira, agosto 23, 2006

MASCARA

É uma manhã de Agosto, está tudo calmo porque ainda é muito cedo, somente o cheiro ao dia anterior invade o espaço, a serenidade do momento é interrompida pela chegada de alguém, um ténue bom dia e quebra-se a quietude que se fazia sentir, a partir de agora é tudo a piorar, na pressa de se atropelarem esquecem-se de que no fim nada conta, tudo aquilo que se possa ter construído esvai-se no metro quadrado que iremos ocupar.
Não faz sentido lamber as feridas, é preferível fazer-se a sua prevenção, nada melhor que um dia atrás do outro para nos ensinar a estar bem connosco, mesmo que aquilo que nos rodeia seja muito mau, dentro de nós existe sempre um sorriso cúmplice que nos transporta para um estado de felicidade interior, à muitos anos surgiu o povo andava muito triste existia muito pouca comida, a taxa de mortalidade era muito elevada, dai que alguém teve a brilhante ideia de criar uma festa para alegrar toda a gente, essa festa era muito especial, todos tinham que encontrar uma forma de não serem conhecidos, assim surgiram as máscaras, que coisa fantástica que foi essa festa, a tal ponto que ainda hoje se celebra, diz-se a esse propósito que a vida são dois dias e o Carnaval três.
Mas são dias de muita folia, que se prolongam pelos restantes com o uso das máscaras, boas disposições, bastante falsidade, mas tudo isso já nós conhecemos, o que é extraordinário mas bastante inconveniente, as mudanças de atitude as calunias e as falsas amizades, como são destrutivos os jogos de poder que se mudam de acordo com o vento, virá um dia em que o pano vai cair, a roupa que agora protege a mediocridade será rasgada e uma vez a nu e perante o espelho as deformações serão visíveis e nesse dia a imagem será de tal forma horrenda que a saída será a auto destruição, sim caminhamos para a auto destruição de tudo o que poderia ser bom, neste momento vale tudo, até mesmo aquele pedido velado.

terça-feira, agosto 22, 2006

REGRESSO

Poderei falar de um regresso muito desejado, encontrei um sol radiante, após dias consecutivos de cinzento, a luz espalhava-se pela casa revelando sombras que já há muito tempo tinha esquecido, como foi gostoso reencontrar o meu escritório naquele fim de tarde, a serra visualizava-se em todo o seu esplendor, magnifica nos seus tons de verde, parecia engalanada como as pequenas aldeias do interior em dias de festa anual. Olhei para a secretária e notei que milagrosamente se encontrava vazia, antes de partir tinha feito uma limpeza à agitação que sobre ela reinava, agora estou bem já existe muito espaço para preencher novamente, normalmente só fica assim quando no final do ano arrumo o monte de folhas de apontamentos e material de estudo a que recorro com frequência, experimentei colocar-lhe um daqueles conjuntos com mil e um objectos que servem para ocupar e nos impedem de trabalhar, desisti voltei a arrumar tudo, lembrei-me de quando me tinham oferecido aquelas coisas e de como por uma questão de delicadeza não disse nada, já passou tanto tempo, resolvi pegar em tudo e colocar no devido sitio ou seja no lixo, de regresso a casa olhei à volta na esperança de encontrar mais monos, abri armários, gavetas e mesmo na dispensa encontrei um monte de dispensáveis, reuni tudo num único espaço, decidi que como vai haver festa na aldeia oferecer tudo para a quermesse, mas esta ano não vou comprar nenhuma rifa, não quero correr o risco de voltar a ter na minha posse alguns daqueles presentes comprados, nas lojas dos trezentos ou chineses, com todo o carinho a pensar em mim e na utilidade que todos eles teriam para a minha pessoa.
Como posso ser tão mordaz em relação aos meus presentes, se eu agora também faço o mesmo, quantas vezes compro coisas para oferecer só pela obrigação de ter que dar, no passado os meus presentes eram comprados a pensar nas pessoas, levava um ano inteiro de Natal a Natal comprando uma peça aqui outra ali e em cada uma carinhosamente ia colocando o nome do destinatário, é dessa época um conjunto de castiçais que uma pessoa namorou numa loja de decoração e que não comprou porque o marido tinha um salário dez vezes maior que o meu, ou então a cadeira de baloiço que uma outra advogada ainda não tinha tido oportunidade de adquirir, ou mesmo aquele conjunto de copos cristal que alguém chegando à loja inquiriu a vendedora e esta lhe disse que estava reservado porque eram peças únicas, só que no dia seguinte quando voltei à mesma loja a vendedora aliás muito simpática, disse-me que não estava nada reservado olhe rematou, curiosamente ontem uma senhora com estas e aquelas características, esteve cá e perguntou o preço, não levou porque não ia directa a casa, estes foram os verdes anos prolongou-se até aos trinta, altura em que me cansei de em troca receber cuecas, meias, lenços de assoar que não gosto de usar, ou então bolsas para tabacos, ficou célebre aquele Natal em que eu revoltado, comprei uma montanha de cartões de boas festas, escrevendo em cada um deles um muito obrigado por todas as prendas recebidas descrevendo-as mas que dado o stock que tinha delas, neste ano não poderia aceitar mais nenhuma, conclusão ficou toda a gente muito chocada com a minha falta de espírito natalício, a partir dai deixou muita gente de me falar eu pouco me importei, continuo a corresponder com o meu melhor sorriso.

quarta-feira, agosto 16, 2006

CENAS

Num normal dia de férias procura-se tranquilidade, quebrar a rotina do dia a dia, pois foi isso mesmo que aconteceu, acordei tão cedo quanto o normal, era necessário ir às compras, sim mesmo em férias é necessário abastecer a máquina com proteínas vitaminas sais minerais e outras coisas mais, assim fui deambular pela praça, em busca daquele peixe super fresco, que de tão fresco ainda nos salpica a cara com a água salgada do mar, o mar ainda é salgado e o peixe pescado no mar ainda transporta esse aroma de água salgada, pois o odor próprio do peixe faz-me náuseas, depois da volta rápida decidiu-se por douradas e lulas, metidos que foram os peixes em dois sacos de plástico para não libertarem cheiros, lá fui em busca de fruta, comprados que foram pêssegos, uvas, e coentros que não é fruta mas sim um vegetal, diz-me a minha patroa, quando chegar-mos a casa o peixe terá algum defeito, rumamos no carro em direcção a casa, chegados, poisados que foram os dois sacos com as compras, começou a peça de teatros em vários actos, cenas ou quadros, conforme lhe queiram chamar. Volta-se a matriarca da família, qual leoa enfurecida, que peixe é este que não é fresco e que cheira a podre? Podre não é fresco, responde a cria da leoa, isto vai aquecer disse para mim, recordando os acalorados diálogos travados noutras ocasiões entre as duas leoas, num súbito movimento das suas vozes percebi que a zanga era feia e que os insultos estavam a subir de tom, não pensem que eram do tipo português calão que se houve nas habituais discussões, era mais o estilo gótico, que eu não identifico bem mas palavrões não, mais não é boa mãe, não és boa filha apesar da minha idade ainda te dou dois estalos, ai dá, então está aqui a cara pode dar, força, mas dê? Foi tal o alvoroço que a vizinha intrometida do terceiro andar, foi colocar-se de balcão a ouvir o espectáculo, não consegui controlar o tempo em que este algaraviado de palavras e atitudes se foi desenrolando, só me lembro de um momento em que estou a empacotar tudo e a carregar para o carro, com despedidas de, os outros é que são bons que nem à porta se chegam e eu não presto, quando precisar chame que eu estou cá, não vou chamar nem mesmo depois de morta, entre outras, carro em marcha era preciso dizer adeus aos outros membros da família, lá fomos, mal chegados aos últimos a dizer adeus, já este sabiam da novela que se tinha desenrolado bem cedo nessa manhã, a tua mãe ligou a dizer que estava mal, disse a outra cria da leoa, as manas leoas apesar de filhas do mesmo casal de leões, à muito tempo que falam na terceira pessoa quando se trata dos Pais.
Temos que voltar para ver o que se está a passar, diz-me a leoa, lá dou meia volta ao carro e a vizinha continuava no seu sítio para assistir à grande final, aberta que foi a porta a leoa mãe disse: vai dizer adeus ao teu Pai que ele diz que te mandas-te e nem água vai, responde a outra mas eu ia embora sem dizer adeus ao Pai, começou nova cena, eu retirei-me estrategicamente para os bastidores não pretendia ser actor naquele drama, tal como a nação helvética em tempos da segunda guerra mundial, procuro manter-me neutro em relação aos assuntos da família, mesmo que isso represente para mim engolir cobras e lagartos, já se vai tornando um habito, não fizeram costura no meu saco assim ele não consegue reter nada, isso na sua face exterior, no interior é que está o problema, de cada vez que acontecem estas trocas de mimos, a minha angustia aumenta e com ela uma vontade de contra ventos e marés erguer velas e partir, em busca de alguma tranquilidade nestes tempos de férias, tenho um local secreto, acessível a todos mas desconhecido por muitos, é lá que eu encontro refugio para a minha desilusão, mas neste sábado em que nem o habitual telefonema da sobrinha, para saber se a filha comeu bem ou mal, pois faz jeito enquanto os tios aqui estão despejar a miúda, que não sabem educar, conseguiu aquecer um almoço frio e bastante salgado, tens que mais uma vez comer e calar, tudo em nome da santa felicidade e da harmonia, que férias mais descansadas, como não poderei sentir prazer com esta pausa maravilhosa passada à beira mar, mais tarde irei recordar estes tempos com imensa saudade, lamentar que a crescente perda de poder de compra, me impeça de voltar para este maravilhoso lugar, melhor que Kathmandu o local de eleição para a viagem dos meus sonhos, enquanto existir sol e vento não há nada que me enfrente, donde chegou esta súbita coragem de tudo enfrentar desconhecia que ela se pudesse revelar, logo agora numa situação de crise, já antes passei por outras situações e calei-me com medo da reacção dos outros, assustado com as consequências das minhas atitudes, será que qual conquistador estou á descoberta de novas terras, quem sabe desbravamento novos caminhos nesta busca de finalmente poder sentir que estou infeliz.

sábado, agosto 12, 2006

MEMÓRIAS

Lembro-me de tanta coisa aqui sentado junto ao meu computador, a cabeça está num turbilhão as ideias enevoam-se, tudo descamba ao meu redor, são os que me cercam, as moscas que não param de me chatear, o calor que é imenso, mas sobretudo este tédio de estar fechado em casa, com uma vontade de estar junto ao mar e simplesmente não ir, para evitar problemas, existe quem em lugar do mar queira dormir eu só tenho que aguentar, convivência democrática diria alguém, espírito de abnegação dirão outros, a vida é mesmo assim alvitraria a vizinha do segundo andar, mas e eu onde fico eu neste entretanto, vazio cada vez mais vazio, já me cansam os ais e mais ais que oiço todo o santo dia, porque não faço a cama, porque só ligo ao computador, porque saio de casa para ganhar dinheiro, porque o dinheiro não chega, do outro lado só encontro reprovação apesar do que faço, nada chega, mas sou sempre eu que ando para a frente, é sempre o urso que tem que dançar, pois sua excelência a rainha dos mares do sul só sabe exigir, a mim pobre plebeu que só quer uma vida tranquila, a revolta começa a tomar corpo dentro de mim, a minha alma começa a sufocar, um destes dias quando eu menos esperar e sem qualquer aviso tudo pode acontecer, a minha índole pacifica poderá num momento de loucura alterar-se profundamente, ao ponto de acabar de vez com a moléstia, pegar na trouxa e partir, sem hesitar ou olhar sequer para trás, o mundo é grande e nele terei certamente um lugar, sozinho e dependendo só de mim, mas não estou já só, apesar de acompanhado, tenho inventado desculpas umas atrás das outras para aguentar a situação, certo é que, por mais que eu queira, não consigo evitar que me usem e deitem fora.

Já fico perdido neste tempo,
No tempo não me encontrei,
Por do tempo não ter tempo
Sem tempo para mim fiquei.

A incerteza tem acompanhado a minha existência, dependo emocionalmente dos outros, a vontade deles, de uma forma indirecta tem-se sobreposto sempre à minha, com muitas desculpas, foram moldando o meu querer, nasci livre ou talvez não, não recordo o acto de nascer, mas talvez tenha nascido livre, impuseram-me uma fralda, roupa e aquele caracol ridículo no alto da cabeça, ai eu não poderia queixar-me, ainda não dominava as convenções sociais, hoje decorridos que são quase cinquenta anos ainda tal como na época mantenho-me preso a esta vida cheia de regras, como é livre o peixe no mar, julgo eu mesmo esse não está longe de ser apanhado por uma qualquer rede e acabar na travessa da casa de qualquer um de nós, neste perene equilíbrio entre a minha liberdade e a daquilo que me rodeia onde estou, em qual dos pratos da balança está o maior peso, porque sonho com o que não é possível alcançar, já há muito que sei que a felicidade não existe e que o mais próximo dela são os momentos em que sentado comigo mesmo, não faço planos deixo as imagens correrem livres como o vento, recordo alguns momentos que me fizeram esboçar um sorriso, ou os outros em que zangado me retirei para dormir, tenho fugido toda a vida de mim e assim fujo dos outros, que montanha tenho construído em meu redor, sou um feroz crítico ao que me rodeia, não acredito em soluções destes políticos vendidos aos flashes das câmaras de televisão, apenas gostam de ser ver reflectidos no pequeno ecrã, pois com o povo anónimo não se importam, partilham as audiências com qualquer artista de telenovela feito à pressa, sentem-se felizes com o mal que nos andam a fazer, contudo um destes dias virá alguém que com a cabeça no lugar dirá basta.

Que ilusão vale a vida
Corda com muitos nós
Por ela ficamos presos
Cada um dentro de nós