segunda-feira, junho 12, 2006

Rola

Há uma rola que me vem visitar, poisa num poste para me saudar, chamei-lhe Carolina para não me assustar, todos os dias ao acordar ela como um relógio aparece a voar, não sei donde vem nem para onde vai, queria dizer-lhe para não voltar, mas não consigo comunicar. Já bati palmas sem resultar, a Carolina não sai do lugar, já lhe gritei, estás-me a enervar, ela teimosa fica a olhar, que hei-de fazer para te afastar? Pensei num tambor a ribombar, seria capaz de resultar, toquei o tambor mas nem me ligou, altiva nem se assustou, ficou a gozar, palerma estou a adorar o som do tambor, com que me estás a saudar.
Que estranha visita me acontece, não sei a razão de tanto stress, ou talvez sim, sabes Carolina eu tenho medo, medo de ti, tu culpa não tens, as aves fazem-me sentir assim, talvez seja inveja por não voar e sentir a liberdade do tempo a passar, para ficar bem penso em alguém que muito amei, estranha maneira de eu recordar quem ocupa um lindo lugar, será a saudade que me faz sentir que tu Carolina me vens visitar e na forma da rola me vens ajudar, que modo tão doce de me consolar. Porém a razão toma o seu lugar, disparate esse em que estás a pensar, como pode uma ave te consolar, se dela tens medo de te aproximar, com pouca coragem volto a olhar, lá está ela linda no seu lugar.
Apesar do medo estou a olhar, procurando um sinal que me possa ajudar, cantas com força para me lembrar, bom dia amigo gosto de te saudar, num gesto sereno tentei te tocar, mesmo à distância senti o pavor, do amargo sabor que me mostra a dor de não te tocar, mesmo com medo e sem hesitar procurei comida para te dar, eu não tenho milho, que posso arranjar, mas há pão de trigo que tu vais gostar, mandei-te migalhas para não te engasgares, abris-te as asas sem lhe tocar, ficaste com medo do que te queria dar, ou zangada por te querer comprar e com as migalhas tentar te agarrar, para depois numa gaiola te fechar, e de forma egoísta a tua liberdade te tirar, não tenhas receio, não te vou fechar, pois sei o tormento de não conseguir voar, voar para longe do que me faz sofrer, contudo não o quero dar a entender.
Olhei para o chão e as migalhas de pão que te mandei, são agora alimento para andorinhas, engraçado, era para tu comeres, como não o fizeste outros aproveitaram, é isso o que a uns sobra falta a outros, pensando bem, provavelmente a razão da tua visita não tem qualquer interesse pessoal, vens apenas porque gostas de mim e do teu dia reservas alguns momentos para mim, não queres nada em troca, apenas rever-me. Como o tempo passa, ainda ontem corria pelos campos e encontrei aquele pequeno pardal, trouxe-o para casa e carinhosamente arranjei-lhe uma caixa para dormir e um lenço para o cobrir, pensei que teria sede e fui buscar água, arranjei um copo mas era alto ele não lhe chegava, então troquei o copo por uma tampa de garrafa, ele não bebeu depois recordei-me, é a mãe que lhe dá de beber e comer, não sou ave, como fazer? Talvez da mão ele consiga beber, com muito cuidado, para não se assustar, peguei no pardal, por mais voltas que desse ele não bebia, cansado deixei-o na caixa e fui brincar, quando voltei já nem da caixa encontrei o lugar, disseram-me que um gato com fome o tinha comido, muito mais tarde soube que tinha morrido, piando bem alto, talvez a chamar por de quem naquele dia se tinha afastado, será que chorou ou não percebeu, que para sempre a mãe perdeu, não foi uma forma calma que ele morreu, será que sentiu saudades de quem conheceu.
Por muitas razões, que não quero explicar, tenho pressa de sair deste lugar, falta-me a coragem para tudo largar e perder-me naquele lugar onde apenas o sol me pode beijar, imagino como será a cidade onde nada existe e onde tudo está no seu lugar, como será o trânsito desde casa até ao trabalho que não vou ter, e aquele vizinho que só me aborrece, como passa agora que já não estou lá, divirto-me a pensar com o que irá na sua cabeça, para onde foi, que sorte a dele, eu ainda tenho que me preocupar com a renda da casa a água a luz e ele está descansado o olhar para tudo sem nada ver, e feliz como eu não consigo ser, por isso onde moro neste lugar já nada me prende, com tempo a solução vai chegar, desespero de uma alma para se encontrar, é isto que me leva a falar, sem usar a boca para não escutar, é mais seguro assim o silêncio não atormenta ninguém, mas as palavras ditas podem magoar, como não gosto deste lugar, eu não acredito que possas voltar, ficaste a dormir naquele lugar, talvez um dia lá te vá visitar, e enfim podemos falar mas sem gritar, basta-nos o olhar e assim perceberás sabes Carolina que gosto de ti.

2 Comments:

At 4:09 da tarde, Blogger Flour said...

Doce poema em forma de prosa.

 
At 8:58 da manhã, Blogger bostor said...

emergente já por diversas vezes li o teus escritos, e deixei comentários na esperança de que do alto da tua escrita te dignasses responder, mas tal como o espelho que reflecte apenas a minha imagem e voz, assim te tens mantido, vou continuar até que um dia me liberte da indiferença, um abraço bostor

 

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